Em 27.03.2024, foi publicado o Decreto nº 11.964/2024, que regulamentou as Debêntures de Infraestrutura disciplinadas pela Lei nº 14.801/2024.
Conforme divulgado em nosso Informe anterior, esta Lei criou um regime tributário específico para a emissão de debêntures destinadas ao investimento em projetos de infraestrutura e de pesquisa, desenvolvimento e inovação considerados prioritários, cujas regras seriam objeto de regulamentação pelo Poder Executivo Federal, especialmente a fim de identificar os setores considerados prioritários e estabelecer os critérios para o enquadramento dos projetos nesses setores.
Nesse sentido, o Decreto nº 11.964/2024 regulamentou não só as Debêntures de Infraestrutura, mas também as Debêntures Incentivadas, os certificados de recebíveis imobiliários e as cotas de emissão de fundo de investimento em direitos creditórios regidos pela Lei nº 12.431/2011 (em conjunto, “Valores Mobiliários com Benefícios Fiscais”).
Na sequência, resumimos as principais disposições do Regulamento e indicamos alguns pontos de atenção.
1. Setores Prioritários
O Decreto nº 11.964/2024 definiu os setores econômicos vinculados à área de infraestrutura aos quais devem pertencer os projetos que podem ser financiados por meio dos Valores Mobiliários com Benefícios Fiscais, dentre os quais destacamos os seguintes:
- Logística e transportes
- Mobilidade urbana
- Energia
- Telecomunicações e radiodifusão
- Saneamento básico
- Irrigação
- Habitação social, incluídos exclusivamente projetos implementados por meio de parcerias público-privadas
- Transformação de minerais estratégicos para a transição energética
Vale ressaltar que, nos setores de logística e transportes, mobilidade urbana e energia, o Decreto especifica subsetores que podem ser beneficiados. Chama a atenção, neste ponto, a ausência de setores importantes, como os da indústria do petróleo e de mineração.
Além disso, o Decreto exige que os projetos (i) sejam objeto de instrumento de concessão, permissão, autorização, arrendamento, ou, no caso do saneamento básico, de contrato de programa (salvo o setor de transformação de minerais estratégicos) e (ii) envolvam ações de implantação, ampliação, recuperação, adequação ou modernização. Há uma exceção para ações que tenham a finalidade de reduzir ou mitigar emissões de gases do efeito estufa, as quais podem ser incluídas nos projetos, ainda que não constem dos instrumentos mencionados acima.
Já em relação à área de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação, os projetos que podem ser financiados pelas Debêntures de Infraestrutura são aqueles que tenham o propósito de introduzir processos, produtos ou serviços inovadores nos setores de transição energética, transformação ecológica, transformação digital, complexo industrial da saúde e complexo industrial aeroespacial e de defesa. O enquadramento dos projetos nesses setores será disciplinado por ato conjunto do Ministério da Fazenda e do respectivo Ministério setorial.
2. Procedimento
Os Ministérios aos quais estão vinculados os setores considerados prioritários deverão editar portarias ministeriais que prevejam critérios e condições complementares para o enquadramento dos projetos, podendo, inclusive, limitar o enquadramento a determinados subsetores ou tipos específicos de projetos. Essas portarias também estabelecerão o procedimento de acompanhamento da implementação dos projetos.
Não obstante, o Decreto nº 11.964/2024 já impõe algumas obrigações aos interessados em enquadrar seus projetos, por exemplo:
- Protocolar, no Ministérios setorial responsável, documentação com a descrição individualizada do projeto de investimento, antes da apresentação do requerimento do registro da oferta pública dos Valores Mobiliários com Benefícios Fiscais (este protocolo deverá ser comprovado à CVM)
- Manter atualizadas, junto ao Ministério setorial, informações próprias e do titular do projeto, quando se tratar de pessoas jurídicas distintas
- Destacar a descrição do projeto, o compromisso de alocar os recursos obtidos no projeto e o número e data da portaria de aprovação (quando exigida), por ocasião da emissão pública, nos documentos pertinentes à oferta (caberá a CVM definir a forma de destaque dessas informações)
- Assegurar a destinação dos recursos captados para a implantação do projeto prioritário e manter a documentação relativa à utilização dos recursos disponível para consulta e fiscalização por pelo menos cinco anos após o vencimento dos Valores Mobiliários com Benefícios Fiscais
O Decreto também garante prioridade aos projetos que proporcionem benefícios ambientais ou sociais relevantes, no que se refere à avaliação do requerimento de registro de oferta pública pela CVM e aos trâmites para aprovação prévia nos Ministérios setoriais, quando exigida. Os benefícios ambientais ou sociais deverão ser atestados por relatório de avaliação externa específica para esse tipo de emissão, elaborado nos padrões estabelecidos pela CVM para a divulgação de informações relacionadas à sustentabilidade.
3. Pontos de Atenção
Na nossa visão, há pelo menos cinco pontos de atenção no Decreto nº 11.964/2024.
O primeiro reside na previsão de que “a emissão dos Valores Mobiliários com Benefícios Fiscais fica limitada ao montante equivalente às despesas de capital dos projetos de investimento”, o que parece restringir o montante da emissão às despesas diretamente relacionadas com a formação de bens de capital. A princípio, essa limitação reduz o escopo legalmente previsto para os Valores Mobiliários com Benefícios Fiscais, pois, de acordo com as Leis aplicáveis, o montante obtido por meio desses instrumentos pode ser destinado a “gastos, despesas e dívidas”, sem exigir uma vinculação direta à formação de um bem de capital.
O segundo consiste na possibilidade de que um mesmo projeto emita tanto as Debêntures Incentivadas (Lei nº 12.431/2011) quanto as Debêntures de Infraestrutura (Lei nº 14.801/2024), desde que o total captado não supere o limite das “despesas de capital” acima mencionadas. Essa possibilidade viabiliza, inclusive, que projetos já financiados através de debêntures incentivadas façam novas captações através de Debêntures de Infraestrutura, desde que atendam os demais requisitos da nova regulamentação.
O terceiro decorre da falta de clareza acerca da possibilidade de exigência de aprovação prévia para que o projeto seja considerado prioritário. Embora a Lei nº 14.801/2024 estabeleça uma regra geral que dispensa expressamente a aprovação ministerial prévia, admitindo a sua exigência apenas para os projetos que envolvam serviços públicos de titularidade dos entes subnacionais, o Decreto nº 11.964/2024 faz referência a essa aprovação prévia em vários pontos que não estão expressamente relacionados com esses específicos serviços.
Em quarto lugar, há de se ter atenção com a previsão de que as portarias setoriais editadas para regulamentar a emissão dos valores mobiliários previstos na Lei nº 12.431/2011 permanecem vigentes naquilo que não conflitarem com o Decreto nº 11.964/2024, pois isso parece não só manter abertos os procedimentos relativos àqueles valores mobiliários, como também estendê-los às Debêntures de Infraestrutura.
Por fim, o Decreto nº 11.964/2024 prevê que projetos já aprovados para fins de emissão de Debêntures Incentivadas poderão ser objeto de novas emissões até 24.06.2024, mesmo que tais projetos não se enquadrem nos novos critérios e condições desse Decreto, o que abre uma janela de oportunidade provisória para os detentores desses projetos.
Para mais informações, a equipe Tributária do FreitasLeite está à disposição.