Foi publicada ontem (31.10.2023) no Diário Oficial da União a Lei nº 14.711, de 30.10.2023 (“Lei nº 14.711/2023”), que introduz importantes mudanças nas regras de garantias reais imobiliárias, dentre outros assuntos.
As novas regras visam aprimorar o uso e a administração de garantias reais, aperfeiçoando o arcabouço legal existente para a constituição e execução das garantias reais dadas em empréstimos e/ou financiamentos, como a hipoteca e a alienação fiduciária de imóveis, conferindo maior segurança jurídica nas relações de oferta e tomada de crédito.
Algumas mudanças merecem particular destaque:
1. possibilidade de constituição de alienação fiduciária superveniente;
2. possibilidade de excussão individualizada de imóveis garantidores de uma parcela da dívida;
3. possibilidade de não extinção da dívida garantida por alienação fiduciária para créditos não habitacionais;
4. extensividade da alienação fiduciária para novas obrigações e a faculdade do credor de declarar vencidas as demais obrigações de que for titular, garantidas pelo mesmo imóvel nos casos de inadimplemento de quaisquer das obrigações garantidas por alienação fiduciária (cross default);
5. possibilidade de se escolher o registrador imobiliário que realizará as intimações do devedor fiduciante, quando a garantia abranger imóveis localizados em mais de uma comarca e a imprescindibilidade da intimação eletrônica;
6. criação do agente de garantia para atuação em benefício dos credores e prestação de serviços;
7. possibilidade de execução extrajudicial de débitos garantidos por hipoteca.
A Lei nº 14.711/2023 buscou garantir celeridade nas execuções de garantias reais estabelecidas na contratação do crédito imobiliário, o que incrementa e favorece a sua concessão, beneficiando o mercado imobiliário.
Abaixo, um breve resumo acerca dos pontos destacados da nova legislação que entrou em vigor na data da sua publicação.
1. Alienação fiduciária da propriedade superveniente
Criou-se a possibilidade de ser instituída a alienação fiduciária da propriedade superveniente, pelo fiduciante, sendo suscetível de registro no cartório de registro de imóveis competente desde a data de sua celebração, tornando-se, portanto, eficaz a partir do cancelamento da propriedade fiduciária anteriormente constituída. Significa dizer que o devedor fiduciante, que tem a expectativa de voltar a ter a propriedade plena do imóvel após a quitação da dívida, poderá desde logo comprometer tal propriedade superveniente como garantia de nova dívida. A alienação fiduciária equivaleria, nesse caso, a um “segundo grau da garantia”.
A Lei nº 14.711/2023 permite expressamente a instituição de sucessivas alienações fiduciárias da propriedade superveniente, sendo certo que as garantias anteriores terão prioridade em relação às posteriores na excussão da garantia, observado que, no caso de excussão do imóvel pelo credor fiduciário anterior com alienação a terceiros, os direitos dos credores fiduciários posteriores sub-rogam-se no preço obtido, cancelando-se os registros das respectivas alienações fiduciárias.
Ainda, o credor fiduciário que pagar a dívida do devedor fiduciante comum, ficará sub-rogado no crédito e na propriedade fiduciária em garantia.
2. Excussão individualizada de imóveis garantidores de uma parcela da dívida
Nas operações de crédito garantidas pela alienação fiduciária de dois ou mais imóveis, na hipótese de não ser convencionada a vinculação de cada imóvel a uma parcela da dívida, o credor poderá promover a excussão em ato simultâneo, por meio de consolidação da propriedade e leilão de todos os imóveis em conjunto, ou em atos sucessivos, por meio de consolidação e leilão de cada imóvel em sequência, na medida do necessário para satisfação integral do crédito. Anteriormente à Lei nº 14.711/2023, o credor era obrigado a consolidar a propriedade e promover o leilão de todos os imóveis, em conjunto, na mesma praça, assim como a adotar o procedimento individualmente em cada serventia imobiliária.
O credor fiduciário poderá agora indicar os imóveis a serem excutidos em sequência, exceto se houver disposição em sentido contrário expressa no contrato, situação em que a consolidação da propriedade dos demais ficará suspensa enquanto não verificada a satisfação integral do crédito com o produto resultante dos imóveis em excussão.
Constará nas matrículas dos imóveis não leiloados a averbação do demonstrativo do resultado, sob responsabilidade do credor fiduciário, que deverá encaminhar tais informações ao devedor e, se for o caso, aos terceiros fiduciantes, por meio de correspondência dirigida aos endereços físico e eletrônico informados no contrato.
Não se alcançando a quantia suficiente para satisfação do crédito a cada leilão realizado, o credor deverá recolher os tributos incidentes relativos ao imóvel seguinte a ser excutido, requerendo a averbação da consolidação da propriedade e promovendo os procedimentos de leilão na forma da legislação vigente até a satisfação integral do crédito com o produto dos leilões realizados de forma sucessiva.
3. Não extinção automática da dívida e da exoneração do saldo devedor como regra após realização do segundo leilão
Ressalvadas as dívidas contraídas para aquisição de imóvel residencial do devedor, foi prevista a possibilidade de não extinção da dívida garantida por alienação fiduciária, alterando a antiga regra. Assim, se o produto do leilão não for suficiente para o pagamento integral do montante da dívida, das despesas e dos encargos que serão previstos no contrato de alienação fiduciária, o devedor continuará obrigado pelo pagamento do saldo remanescente, que poderá ser cobrado por meio de ação de execução e, se for o caso, excussão das demais garantias da dívida, ressalvada a hipótese de extinção do saldo devedor remanescente se não atendido o referencial mínimo para arrematação no segundo leilão, que deverá ser igual ou superior ao valor integral da dívida garantida pela alienação fiduciária mais antiga vigente sobre o bem.
4. Extensão de Alienação Fiduciária e Cross Default
Passou a ser permitida a extensão da alienação fiduciária, por meio da qual a propriedade fiduciária já constituída possa ser utilizada como garantia de operações de crédito novas e autônomas de qualquer natureza, desde que sejam contratadas as operações com o credor original e inexista obrigação contratada com credor diverso, garantida pelo mesmo imóvel.
Na extensão da alienação fiduciária de imóvel, no caso de inadimplemento e não purgada a mora, o credor fiduciário poderá considerar vencidas antecipadamente as demais operações de crédito vinculadas à mesma garantia, hipótese em que será exigível a totalidade da dívida (cross default).
5. Escolha do registrador imobiliário que realizará as intimações e imprescindibilidade de intimação eletrônica
Havendo imóveis localizados em mais de uma circunscrição imobiliária em garantia da mesma dívida, a intimação para purgação da mora poderá ser requerida a qualquer um dos registradores competentes e, uma vez realizada, importa em cumprimento do requisito de intimação em todos os procedimentos de excussão, desde que informe a totalidade da dívida e dos imóveis passíveis de consolidação de propriedade.
Foi atribuída ao devedor a responsabilidade de manter atualizado o seu endereço.
Neste sentido, será presumido que o devedor ou o terceiro fiduciante, se for o caso, encontram-se em lugar ignorado quando não forem encontrados no local do imóvel dado em garantia, nem no endereço que tenham fornecido por último.
Se o devedor tiver fornecido contato eletrônico no contrato, é imprescindível o envio da intimação por essa via com antecedência de 15 dias da realização de intimação edilícia.
6. Criação do Agente de Garantia
Criou-se a figura do agente de garantia (“Agente”), que será designado pelos credores e atuará em nome próprio e em benefício dos credores, podendo atuar inclusive em ações judiciais que envolvam discussões sobre a existência, a validade ou a eficácia do ato jurídico do crédito garantido.
Dentre as atribuições do Agente estão o registro do gravame do bem, gerenciamento dos bens e execução das garantias, valendo-se inclusive da execução extrajudicial quando previsto na legislação especial aplicável à modalidade de garantia (ex: Lei nº 9.514 - alienação fiduciária de bem imóvel).
O Agente terá dever fiduciário em relação aos credores da obrigação garantida e responderá perante os credores por todos os seus atos, podendo ser substituído a qualquer tempo por decisão do credor único ou dos titulares que representarem a maioria simples dos créditos garantidos.
Após receber o valor da venda do bem dado em garantia, o Agente deverá realizar o pagamento aos credores em dez dias úteis.
Enquanto não transferido para os credores, esse dinheiro constituirá patrimônio separado daquele do Agente e não poderá́ responder por suas obrigações pelo período de até 180 dias.
Paralelamente ao contrato de administração fiduciária de garantias, o Agente poderá manter contratos com o devedor para: (a) pesquisar ofertas de crédito mais vantajosas entre os diversos fornecedores; (b) auxiliar nos procedimentos necessários à formalização de contratos de operações de crédito e de garantias reais; (c) intermediar a resolução de questões relativas aos contratos de operações de crédito ou às garantias reais; e (d) outros serviços não vedados em lei.
7. Execução extrajudicial de débitos garantidos por hipoteca
Ressalvadas as operações de financiamento da atividade agropecuária, os créditos garantidos por hipoteca poderão ser executados extrajudicialmente, por meio de leilão público e o fato será previamente averbado na matrícula do imóvel, a partir do pedido formulado pelo credor.
No prazo de 60 dias após a referida averbação, o credor promoverá até dois leilões públicos do imóvel hipotecado, que poderão ser realizados por meio eletrônico.
O valor do imóvel no primeiro leilão será igual ou superior ao valor do imóvel estabelecido no contrato para fins de excussão ou ao valor de avaliação realizada pelo órgão público competente para cálculo do imposto sobre transmissão inter vivos (ITBI), o que for maior. Já no segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que seja igual ou superior ao valor integral da dívida garantida pela hipoteca, das despesas, inclusive emolumentos cartorários, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais, podendo, caso não haja lance que alcance referido valor, ser aceito pelo credor hipotecário, a seu exclusivo critério, lance que corresponda a, pelo menos, metade do valor de avaliação do bem.
Na hipótese de o lance oferecido no segundo leilão não ser igual ou superior ao referencial mínimo estabelecido no parágrafo acima, o credor terá a faculdade de: (a) apropriar-se do imóvel em pagamento da dívida, a qualquer tempo, pelo valor correspondente ao referencial mínimo devidamente atualizado; ou (b) realizar, no prazo de até 180 dias, contado do último leilão, a venda direta do imóvel a terceiro, por valor não inferior ao referencial mínimo, dispensado novo leilão, hipótese em que o credor hipotecário ficará investido de mandato irrevogável para representar o garantidor hipotecário, com poderes para transmitir domínio, direito, posse e ação, manifestar a responsabilidade do alienante pela evicção e imitir o adquirente na posse.
É assegurado ao devedor ou, se for o caso, ao prestador da garantia hipotecária, o direito de remir a execução antes de o bem ser alienado em leilão, mediante o pagamento da totalidade da dívida, cujo valor será acrescido das despesas relativas ao procedimento de cobrança e leilões, autorizado o oficial de registro de imóveis a receber e a transferir as quantias correspondentes ao credor no prazo de 3 dias.
Para mais informações, a equipe de Real Estate Finance do FreitasLeite está à disposição.