Em 21.09.2023, foi publicada a Lei nº 14.689, de 20.09.2023 (“Lei nº 14.689/2023”), a qual disciplina a proclamação de resultados de julgamento nos casos de empate na votação do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) e regula o contencioso fiscal.
A nova norma dispõe, ainda, sobre a conformidade tributária no âmbito da Receita Federal do Brasil (“RFB”), a aplicação de multas e a transação de créditos da Fazenda Nacional.
Abaixo, apresentaremos os pontos mais relevantes da nova legislação, que entrou em vigor na data da sua publicação.
1. Principais alterações no Contencioso Administrativo Fiscal
Retorno do Voto de Qualidade nos Julgamentos do CARF
A principal alteração promovida pela Lei nº 14.689/2023 foi o retorno do voto de qualidade, nas hipóteses de empate nas votações do CARF. De acordo com essa regra, nos casos em que a votação pelos Conselheiros resultar em empate, prevalecerá o entendimento do voto do Presidente da Turma, que é sempre um representante da Fazenda Nacional.
O voto de qualidade havia sido parcialmente afastado em 2020 pela Lei nº 13.988/2020, que estabeleceu que determinados tipos de processos administrativos tributários seriam resolvidos a favor do contribuinte em caso de empate. Essa lei teve sua constitucionalidade questionada e, em 2022, o STF formou maioria para reconhecer a validade da nova regra. O julgamento, no entanto, não foi concluído em razão de um pedido de vista.
O retorno do voto de qualidade foi declarado pelo Ministério da Fazenda como uma medida tendente a “evitar perdas” para o fisco, o que causa receios quanto a uma possível desvirtuação da atuação do CARF, que poderia abandonar o seu viés historicamente técnico no cumprimento da função de controle de legalidade dos lançamentos tributários, para se tornar uma ferramenta arrecadatória.
Não obstante, o Projeto aprovado pelo Congresso Nacional (e que veio a se tornar a Lei nº 14.689/2023) buscou equalizar, em certa medida, os interesses arrecadatórios e os dos contribuintes, embora esse objetivo tenha sido parcialmente comprometido pelos vetos do Presidente da República.
Reduções nos débitos mantidos por voto de qualidade
Nas cobranças que forem mantidas pelo CARF em razão do voto de qualidade, deverão ser canceladas as multas aplicadas e a representação fiscal para fins penais, bem como não incidirá o encargo em 20% em caso de inscrição em dívida ativa. A exclusão da multa se aplica até mesmo aos processos decididos por voto de qualidade que tenham sido judicializados e aguardem o julgamento de mérito em 2ª instância.
Além da exclusão das multas, caso os contribuintes manifestem o interesse em realizar o pagamento do débito no prazo de 90 dias, serão excluídos, também, os juros aplicados até a data do acordo do pagamento. Esse pagamento poderá ser feito em até 12 parcelas, com a atualização mensal pela taxa SELIC.
Na quitação de tais débitos, o contribuinte poderá utilizar:
- Créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL de titularidade do sujeito passivo, de pessoa jurídica controladora ou controlada, de forma direta ou indireta, ou de sociedades que sejam controladas direta ou indiretamente por uma mesma pessoa jurídica.
- Precatórios da União Federal.
As regras acima também são aplicáveis aos débitos mantidos por voto de qualidade durante a vigência da MP nº 1.160/2023.
Direito à sustentação oral.
De acordo com as novas normas, os procuradores dos contribuintes passam a poder realizar sustentação oral perante as Delegacias da Receita Federal de Julgamento, e não mais somente no CARF.
2. Garantia em processos judiciais que questionem débitos mantidos por voto de qualidade
Os contribuintes com capacidade de pagamento passam a ficar dispensados da apresentação de garantia em processos judiciais que discutam débitos que tenham sido mantidos por voto de qualidade.
A capacidade de pagamento será aferida a partir do patrimônio líquido, desde que o contribuinte:
- Apresente relatório de auditoria independente sobre suas demonstrações financeiras;
- Apresente relação de bens livres e desimpedidos que possam ser dados em garantia, após decisão desfavorável em primeira instância;
- Preste informações à PGFN sobre alienação ou oneração de bens, com a apresentação de outros em substituição aos anteriormente indicados;
- Não possua outros débitos exigíveis para com a Fazenda Pública, presentes e futuros.
Os requisitos acima trazem pelo menos duas perplexidades: primeiro, parecem excluir da dispensa de garantia os contribuintes pessoas físicas; segundo, abrem espaço para que a dispensa de garantia seja impedida pela existência de débitos exigíveis com qualquer “Fazenda Pública”, mesmo que não seja a Fazenda Nacional.
Essa dispensa não se aplica aos contribuintes que, nos 12 meses anteriores ao ajuizamento da medida judicial, não tenham mantido sua certidão de regularidade fiscal por, ao menos, 3 meses consecutivos ou não.
3. Principais alterações em relação à aplicação de multas
As chamadas multas qualificadas, aplicadas em casos de sonegação, fraude e conluio, foram reduzidas de 150% para 100% do montante do débito lançado de ofício. Além disso, essas multas somente poderão ser aplicadas quando configurado, individualizado e comprovado o dolo do contribuinte e serão afastadas caso o contribuinte obtenha sentença penal meritória de absolvição.
Por outro lado, o contribuinte reincidente na infração poderá penalizado com multa de 150%. A reincidência será caracterizada sempre que, no prazo de 2 anos contados do lançamento em que aplicada multa qualificada, o contribuinte tiver incorrido, comprovadamente, em quaisquer ações ou omissões relacionadas à sonegação, fraude ou conluio.
Vetos em relação às multas
A Presidência da República vetou dispositivos que visavam a conferir mais proporcionalidade e razoabilidade às multas, a saber:
- Aplicação de uma única penalidade nos casos de sonegação, fraude ou conluio, ainda que os atos produzissem efeitos em diferentes competências;
- Vedação à majoração da multa no caso de o contribuinte divulgar os atos ou fatos que ensejaram a qualificação da multa ou não tiver tentado omiti-los;
- Não aplicação da multa de 150%, quando o contribuinte buscasse sanar as ações e omissões caracterizadoras de sonegação, fraude ou conluio;
- Redução da multa de 75% a 1/3 do montante, nos casos de erro escusável, divergência de interpretação e observância a práticas de mercado; e
- Dispensa da aplicação da multa de 75%, caso o contribuinte tivesse histórico de conformidade fiscal favorável.
4. Medidas de incentivo à conformidade tributária
Na tentativa de superar o ambiente historicamente bélico entre Autoridades Fiscal e contribuintes, a Lei nº 14.689/2023 estabelece medidas de incentivo para que os contribuintes se ajustem às normas tributárias por si próprios.
Nesse sentido, os contribuintes que busquem agir em conformidade tributária poderão ser beneficiados com:
- Orientações tributárias e aduaneiras prévias;
- Não aplicação de penalidades administrativas;
- Prazo para o pagamento de tributos sem a aplicação de penalidades;
- Prioridade em seus processos administrativos (inclusive, pedidos de restituição); e
- Atendimento preferencial em serviços presenciais ou virtuais.
Para que os contribuintes obtenham esse status, a RFB levará em consideração os seguintes fatores: (i) regularidade cadastral; (ii) histórico de regularidade fiscal; (iii) compatibilidade entre escriturações e declarações e os atos praticados pelos contribuintes; e (iv) a consistência dessas últimas informações.
Os benefícios previstos acima podem ser graduados e condicionados em razão (i) da apresentação voluntária de atos ou negócios jurídicos antes do início do procedimento fiscal; (ii) do atendimento tempestivo a requisição de informações feita pelas autoridades; e (iii) do recolhimento dos débitos em prazos e condições estabelecidos pela RFB.
Vetos que dificultam um ambiente tributário cooperativo
A tentativa de criação de um ambiente tributário mais cooperativo também foi prejudicada por vetos da Presidência da República, que recaíram sobre alguns dos principais incentivos à autorregularização, a saber:
- Obrigatoriedade da RFB de estabelecer métodos preventivos de autorregularização;
- Redução da multa de ofício em pelo menos 1/3;
- Redução da multa moratória em pelo menos 50%;
- Aplicação cumulativa desses descontos com os descontos já existentes no caso de quitação de débitos objeto de notificação de lançamento dentro do prazo para apresentação de defesa.
5. Principais alterações em relação às transações tributárias
A Lei nº 14.689/2023 promoveu alterações na Lei nº 13.988/2020, que trata das transações dos débitos federais.
Com a nova redação, além dos débitos de responsabilidade da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da Procuradoria Geral-Federal e da Procuradoria-Geral da União, poderão ser objeto de transação os débitos da Procuradoria-Geral do Banco Central.
Além disso, a nova redação flexibilizou os termos da transação por adesão. Dessa forma, o edital de transação poderá não mais obrigar o contribuinte a se submeter ao entendimento da administração tributária em relação aos fatos geradores futuros ou não consumados.
A alteração mais relevante quanto às transações tributárias reside no aumento dos possíveis descontos nas transações e as melhores condições de pagamento. Os editais de transação por adesão poderão prever descontos de até 65% do crédito e parcelamentos em até 120 meses. Na normativa anterior, os descontos eram limitados a 50% dos créditos e o parcelamento máximo possível era de 84 meses.
Além disso, para as pessoas físicas, microempresa ou empresa de pequeno porte os descontos poderão chegar a 70% do débito com prazo máximo de quitação de 145 meses.
6. Outros vetos relevantes
Além dos vetos informados anteriormente, foram vetados outros dispositivos relevantes.
A Presidência da República vetou regra que previa que, nos casos de cobrança de crédito tributário ou de penalidade isolada que abranja operação ou atividade previamente autorizada pelo órgão regulador, o litígio deveria ser apreciado pela Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal. Com isso, perde-se a oportunidade de se promover a coerência entre as análises feitas por distintos órgãos da União em relação a uma mesma operação ou atividade.
Uma série de dispositivos que pretendiam alterar a dinâmica do processo das Execuções Fiscais para beneficiar os contribuintes quanto às garantias judiciais também foram vetados, notadamente:
- Autorização para que a garantia por seguro-fiança ou fiança bancária cobrisse apenas o valor principal atualizado;
- Proibição à liquidação das garantias ofertadas antes do trânsito em julgado de decisão de mérito desfavorável ao contribuinte (esta proibição ficou restrita aos processos judiciais relativos a débitos mantidos por voto de qualidade); e
- Responsabilidade da Fazenda Nacional, caso vencida, por ressarcir as despesas em que a parte contrária incorreu, inclusive com oferecimento, contratação e manutenção de eventuais garantias.
Os vetos acima, bem como aqueles apontados anteriormente, ainda serão apreciados pelo Congresso Nacional.
Para mais informações, a equipe Tributária do FreitasLeite está à disposição.