A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) editou, no dia 23 de dezembro de 2023, a Resolução nº 175 (“Resolução 175”), que dispõe sobre a constituição, o funcionamento, a divulgação de informações e a prestação de serviços para os Fundos de Investimento (“Fundos”).
A nova norma, muito aguardada pelo mercado, regulamenta os dispositivos da Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019) sobre Fundos, tendo como propósito modernizar o arcabouço regulatório aplicável à matéria.
Seguindo a lógica do texto divulgado pelo Edital de Audiência Pública CVM nº 08/20 (“Edital de Audiência Pública”), no âmbito do qual foi debatida a minuta do que veio a se tornar a Resolução 175, a principal tônica das alterações foi a compatibilização do funcionamento dos Fundos com o praticado em outras jurisdições tradicionais para a indústria, com a atribuição de um maior protagonismo aos gestores dos fundos, dando-lhes mais autonomia – ao mesmo tempo em que se eleva a barra em termos de suas obrigações e responsabilidades.
No que se refere à sistemática, a Resolução 175 está dividida em parte geral e em anexos normativos. As regras estabelecidas na parte geral são aplicáveis a todas as categorias de Fundos disciplinadas na Resolução 175, as quais são complementadas, em relação a cada categoria de Fundo, pelas regras específicas dispostas nos anexos normativos aplicáveis, prevalecendo, em caso de conflito, a regra específica sobre a regra geral. Inicialmente, conforme o Edital de Audiência Pública, foram publicados anexos normativos aplicáveis aos fundos de investimento financeiros (“FIF”) e aos fundos de investimento em direitos creditórios (“FIDC”). De acordo com a CVM, por meio do seu Presidente João Pedro Barroso do Nascimento, em que pese constem nesse momento exclusivamente os anexos normativos dos FIF e dos FIDC, a Resolução 175 poderá ser complementada posteriormente por outras categorias de Fundos. Na visão do Presidente, o formato proposto para a vigência da norma facilita o entendimento do mercado e contribui na redução do custo de observância regulatória.[1]
Em termos práticos, a Resolução 175 trouxe uma série de inovações importantes. Dentre elas, pode-se destacar a aplicação do instituto da insolvência civil aos Fundos e a possibilidade, mas não obrigatoriedade, de limitação da responsabilidade dos cotistas ao valor das cotas por eles subscritas.
Outra alteração relevante, também, é a possibilidade de se criarem diferentes classes de cotas para um mesmo Fundo, com direitos e obrigações distintos, devendo o administrador constituir um patrimônio segregado para cada classe de cotas (como as segregated portfolio companies em determinadas jurisdições estrangeiras). Sobre isso, da mesma forma que ativos pertencentes ao patrimônio segregado representado por uma classe de cotas não afetam outra(s) classe(s) de um mesmo Fundo, os titulares de cotas de uma classe serão responsáveis apenas pelas obrigações referentes àquela classe, e não a outra(s). A Resolução 175 admite, ainda, a divisão das classes em subclasses, diferenciadas pelo público-alvo, prazos e condições de aplicação, amortização e resgate, ou taxas de administração, gestão, máxima de distribuição, ingresso e saída, porém representativas de um mesmo patrimônio.
Em relação aos FIF (hoje, popularmente referidos como “Fundos 555”, em menção à norma que que os regula, Instrução nº 555, de 17 de dezembro de 2014), objeto do Anexo Normativo I da Resolução 175, houve uma ampliação do rol dos ativos financeiros passíveis de aquisição, o qual passa a incluir os “ativos ambientais”, como créditos de carbono, e criptoativos, desde que atendidos a determinados critérios, na esteira da Lei nº 14.478, publicada em 21 de dezembro de 2022, que dispõe sobre os serviços de ativos virtuais. Até então, o investimento em criptoativos era somente permitido de forma indireta, por meio de veículos no exterior.
Em relação aos FIDC, disciplinados no Anexo Normativo II da Resolução 175, pode-se apontar como a novidade mais importante a possibilidade de constituição de classes destinadas a investidores em geral (ou seja, ao “varejo”), observados determinados requisitos, o que amplia o público-alvo elegível dos FIDC, atualmente restrito a, no mínimo, investidores qualificados.
O conceito de “direitos creditórios” também foi remodelado pela nova norma, que aplacou qualquer discussão sobre a elegibilidade para a carteira de FIDC de valores mobiliários representativos de crédito, tais como debêntures e notas comerciais escriturais, bem como certificados de recebíveis, dentre os quais Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), e outros valores mobiliários representativos de operações de securitização, como debêntures de securitização.
Adicionalmente, na linha do maior protagonismo conferido aos gestores pela Resolução 175, estes passarão a concentrar ao menos duas atribuições até então de responsabilidade do custodiante do FIDC, nomeadamente, a verificação do enquadramento dos direitos creditórios aos critérios de elegibilidade previstos no regulamento do Fundo e a verificação do lastro dos direitos creditórios em carteira. Não obstante, como reconhecido pela CVM em sede do Relatório de Análise da Audiência Pública nº 08/20[2], será facultado ao gestor contratar, sob sua responsabilidade, um terceiro para efetuar a verificação do lastro, inclusive a entidade registradora, o custodiante ou a consultoria especializada, desde que o contratado não seja sua parte relacionada.
Além disso, o Anexo Normativo II prevê, como regra geral, a necessidade de contratação, pelo administrador do FIDC, de serviços de registro de direitos creditórios em entidade registradora autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil. Todavia, reconhecendo que pode inexistir entidade registradora disponível para o registro de determinados recebíveis, a norma prevê, exclusivamente em relação aos direitos creditórios que não sejam passíveis de registro, a possibilidade de estes serem entregues ao custodiante.
Cedendo às demandas do mercado – e reconhecendo ter havido um amadurecimento da indústria após o recrudescimento das regras aplicáveis aos FIDC, em 2013, diante de casos de mau uso desses veículos –, a CVM flexibilizou as regras relativas a conflitos de interesse no âmbito dos FIDC. Nesse sentido, a nova norma possibilita aos FIDC a aquisição de direitos creditórios originados ou cedidos pelo administrador, gestor, consultoria especializada ou partes a eles relacionadas, desde que previsto no regulamento, observado, ainda, que no caso de classes destinadas a investidores profissionais, não há óbice para que o administrador, o gestor, a entidade registradora e o custodiante dos direitos creditórios sejam partes relacionadas entre si.
A Resolução 175 entra em vigor em 3 de abril de 2023, devendo os Fundos em funcionamento nessa data adaptar-se integralmente à nova norma até (a) 31 de dezembro de 2024, se Fundos em geral, e (b) 31 de dezembro de 2023, no caso de FIDC. Por fim, a Resolução 175, uma vez em vigor, revogará diversos outros normativos, como, por exemplo, as Instruções nº 555 (que estabelece as regras gerais de fundos de investimento), 356 (que regulamenta os FIDC), 472 (que dispõe sobre Fundos de Investimento Imobiliários), e 578 (que dispõe sobre Fundos de Investimento em Participações).
A Resolução 175 pode ser acessada na íntegra aqui.
Em complementação ao conteúdo acima, recomendamos a leitura do Informe que preparamos sobre a Audiência Pública nº 08/20, disponível para acesso aqui, bem como do artigo de coautoria dos nossos sócios Cristiano Leite e Paolo Grimaldi publicado no jornal Valor Econômico, acerca do protagonismo dos gestores diante da nova norma (aqui).
Oportunamente, disponibilizaremos análises detalhadas em relação a questões específicas da Resolução 175 que reverberarão sobre a indústria de Fundos e áreas correlatas.
Para maiores informações, entre em contato com a equipe de Mercado Financeiro e de Capitais do FreitasLeite Advogados.